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Alessandra Diehl
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Gisele dos Reis Coutinho
Prevenir
e reduzir o beber entre adolescentes é uma responsabilidade coletiva,
que requer o envolvimento e a parceria das
autoridades governamentais,
das
famílias e da comunidade
O álcool, sem dúvida, tem um
importante impacto no cérebro dos adolescentes, não podendo ser considerado um
“produto qualquer”. Até bem pouco tempo, os pesquisadores acreditavam que o
nosso cérebro estava completamente amadurecido até o final da adolescência,
sendo este um período de intenso processo de desenvolvimento e maturação cerebral. No entanto, as
descobertas atuais apontam para o fato de que o nosso cérebro sofre um processo
de maturação até os 25 anos.
De modo geral, durante a
adolescência, as regiões cerebrais que nos dizem “Vá em frente”, representadas
pela região límbica, amadurecem mais rapidamente do que aquelas que nos dizem
“Não faça isso”, representadas pelo córtex pré-frontal. Portanto, não é difícil
imaginar que, se o uso de bebidas alcoólicas ocorrer durante essa fase de
amadurecimento cerebral, será observada uma série de consequências que
comprometem a delicada arquitetura e o funcionamento de neurotransmissores em
desenvolvimento, afetando a capacidade cognitiva e de aprendizagem, assim como
o comportamento de controle dos impulsos e emoções nos adolescentes, que se
encontram em um contexto de formação das habilidades mencionadas, especialmente
relevantes entre seus pares.
Muitos de nós – pais, professores e
profissionais da saúde – sabemos que o uso de álcool é um grave problema de
saúde pública no Brasil e em vários outros países. O álcool, uma substância
legal, é a droga mais largamente consumida por jovens do mundo todo. Em uma
tendência quase mundial, tem-se observado que o hábito de beber está aumentando
gradativamente entre as meninas e, em alguns locais, supera o índice entre
meninos da mesma idade. Os adolescentes brasileiros estão iniciando o uso de
álcool cada vez mais cedo (em média aos 13,9 anos) e passando a um uso regular de
álcool também muito rapidamente (em média aos 14,6 anos), sendo que 24% desses
mesmos adolescentes bebem pelo menos uma vez ao mês.
O bebê típico dos adolescentes é
conhecido como beber em binge. Em
geral, eles bebem muito em curto espaço de tempo ou em uma única ocasião. Esse
padrão de consumo promove elevados níveis de álcool e, por conseguinte, aumenta
a vulnerabilidade desses jovens a sérios riscos. A realidade de muitos dos
adolescentes que concluem o ensino médio é manter ou agravar o padrão de beber
após o ingresso na faculdade. São demasiadamente conhecidas as inúmeras
“chopadas” em diversos campi espalhadas pelo país afora, onde são promovidas
festas regadas a muita bebida – e, sobretudo, bebida barata.
Esse uso durante a adolescência
predispõe os jovens a uma série de riscos, tais como violência interpessoal,
mais brigas e argumentações negativas com os pais, problemas na escola no dia
seguinte ao beber, iniciação sexual e gravidez precoce (com arrependimento posterior), acidentes de
trânsito, traumatismos, quedas, suicídio, diminuição do desempenho acadêmico,
envolvimento em atividades criminais e risco aumentado de dependência do
álcool. Jovens que começam a beber antes dos 15 anos têm quatro vezes mais
chances de desenvolver dependência na vida adulta e duas vezes e meia mais
chances de se tornar abusadores de álcool do que aqueles que começam a beber
após os 21 anos.
Beber em um padrão característico de
dependência já ocorre em cerca de 7% dos adolescentes de 12 a 17 anos dos
maiores centros brasileiros. Isso significa dizer que muito provavelmente
estamos falando de jovens que podem apresentar tremores das mãos, náuseas e
vômitos ao acordar pela manhã, suores pelo corpo durante a noite por já terem uma constelação de sintomas característicos
de abstinência do álcool, além de intensa vontade de beber novamente, o que
chamamos de “fissura”: uma vez iniciado o uso, não conseguem mais controlar-se
e bebem até ver o fim de todas as garrafas de bebidas que estão por perto.
Soma-se a isso um progressivo desinteresse por outras atividades que outrora
eram prazerosas, e o álcool vai ocupando cada vez mais espaço durante o dia do
jovem.
No Brasil, a compra e a venda de
bebidas alcoólicas para jovens antes de 18 anos é proibida por lei há muito
tempo. Infelizmente, porém, a maioria dos jovens ouvidos em algumas pesquisas
considera que comprá-las no país é fácil ou muito fácil, sendo que 87,4% deles
acha especialmente fácil adquirir cerveja em casa, em festas de 15 anos, bares,
supermercados e até mesmo em festas juninas da escola, enquanto apenas, 1,1% já
tentou comprar bebida alcoólica e não conseguiu.
O governo do estado de São Paulo, na
vanguarda das políticas públicas, decidiu acertadamente investir seus esforços
em fiscalizar uma lei que já existe e assim punir estabelecimentos que vendam,
facilitem ou permitam o consumo de bebidas (uma droga ilícita e amplamente
disponível, mas sem um mercado regulado) para jovens abaixo de 18 anos, com a
criação de uma lei que prevê punições aos infratores.
O uso de álcool durante a
adolescência tem um elevado custo financeiro e outros tantos custos associados
à dor e ao sofrimento de muito jovens e suas famílias, que talvez não seja algo
facilmente mensurável em números. Nos estados Unidos, por exemplo, o custo
associado ao beber entre menores foi de US$62 bilhões em 2010. Desse valor,
US$1,3 milhão foi gasto devido à síndrome alcoólica fetal em grávidas
adolescentes (já que a idade mínima para dirigir naquele país é 16 anos) e
US$2,5 milhões em tratamento de jovens devido a transtornos relacionados ao
abuso de álcool.
Se esse dinheiro fosse poupado pela
não necessidade de ser gasto com tais finalidades, seria possível revertê-lo
para outras tantas atividades voltadas à formação e ao fortalecimento de várias
habilidades e fatores protetores dos nossos jovens. Na verdade, para cada US$1
investido em atividades de prevenção, são economizados US$10 em tratamento no
futuro, o que denota que prevenção segue valendo a pena.
Então, se reduzir o beber entre adolescentes
continua sendo algo desafiador diante de estatísticas tão assustadoras e das
modestas conquistas dos últimos anos em muitos países, inclusive aqueles
desenvolvidos e mais ricos, como estados Unidos, Inglaterra e Austrália, será
que realmente existe um erro pedagógico em nossa sociedade e em nossas
mensagens aos jovens? Tudo indica que sim, já que vivemos – particularmente no
Brasil – em uma cultura que associa a cerveja à ideia de felicidade,
sensualidade, propriedades refrescantes e, sobretudo, a nossas “paixões
nacionais”, como o futebol, a música e o carnaval.
Até mesmo ídolos consagrados,
símbolos de beleza, inocência e juventude, como a cantora Sandy, em recente propaganda de uma marca de cerveja com
o slogan “Todo mundo tem o seu lado devassa”, vendem a ideia de que parece não
existir ninguém “tão careta assim”. Então se pressupõe que “Tudo bem beber e
que, aliás, você vai ficar mais interessante se beber”. Não é de hoje que a
indústria do álcool tem-se dedicado a atrair novos consumidores, com maciça
publicidade e estratégias de marketing
ao público jovem. Alguns exemplos são o festival da música Skol Bits e a
crescente introdução no mercado das bebidas chamadas “tipo ice”, com menor teor
alcoólico.
A família também exerce uma importante
influência no uso de álcool durante a adolescência e contribui com algumas das
estratégias pedagógicas equivocadas. Estudos
indicam que o chamado “uso supervisionado”, que ensina o beber
responsável e com
moderação
durante a adolescência, dentro de casa ou junto com os pais, por exemplo, traz
sérios riscos de evoluir para o uso em um padrão nocivo e até mesmo de
dependência quando esses jovens vão para a faculdade. O chamado uso
supervisionado parece não transmitir uma mensagem de beber seguro. Por outro
lado, adolescentes que não bebem assim e postergam o início do uso de álcool
para além da adolescência têm menos chances de desenvolver alcoolismo ou beber
de forma perigosa e nociva à saúde no futuro.
Medidas de prevenção de uso, abuso e
dependência de álcool entre os adolescentes têm sido adotadas com o lema
“Comece a falar antes que eles comecem a beber”. Nesse sentido, têm crescido as
recomendações de especialistas para que a escola possa também se apropriar da
tarefa de reduzir o hábito de beber entre adolescentes. Essas estratégias vêm
sendo amplamente disseminadas pelo Pacific Institute for Research and
Evaluation (PIRE) há muitos anos em congressos e atividades diversas, ligadas a
um local chamado Underage Drinking Enforcement Training Center.
Entre as constatações, está a de que
as campanhas de conscientização e educação sobre “beber de forma segura” na
escola e na comunidade irão possivelmente gerar resultados limitados. Escolas
que adotam a postura de “não beber nada”, programam as estratégias sociais e
legais relacionadas ao não beber antes da idade permitida por lei e fiscalizam
essas leis, denunciando os estabelecimentos das imediações dos colégios
que estão vendendo bebidas para
adolescentes, muito provavelmente às primeiras. Desse modo, festas realizadas
na escola ou com a participação de alunos não podem permitir a venda de bebidas
alcoólicas, nem mesmo o famoso vinho quente ou quentão em festas juninas ou nas
tão sonhadas e aguardadas festas de 15 anos.
As velhas e as novas mídias,
incluindo as mídias ambientais (por exemplo, banheiros de “baladas”
frequentadas por jovens) e sociais, como facebook, Twitter e Youtube, podem ser
fontes de divulgação de matérias sobre prevenção do beber entre adolescentes,
com trabalhos e histórias de sucesso feitos por e para adolescentes. É preciso
incluí-las no processo de conscientização na escola e nas comunidades,
desconstruindo diversos mitos e falsos heróis que associam a diversão e o
prazer única e exclusivamente ao beber.
Portanto, prevenir e reduzir o beber
entre adolescentes é, sem dúvida, um problema complexo e um desafio que não
demanda uma solução simples, mas também é uma responsabilidade coletiva que
requer o envolvimento e a parceria das autoridades governamentais, das famílias
e da comunidade para modificar essa cultura que ainda ameaça o bem-estar
imediato e a longo prazo de muitos jovens, bem como daqueles ao seu redor.
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Alessandra
Diehi é psiquiatra da Unidade de Pesquisa em Álcool e
Drogas (UNIAD/UNIFESP), especialista em Dependência Química e Sexualidade
Humana.
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Gisele dos Reis Coutinho é psicóloga,
especialista em infância e adolescência.
Fonte: Revista
Pátio Ensino Médio. Ano 4. Nº 1.Março/Maio 2012
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