Se Dilma quer ser presidenta, seu vice será vice-presidente? Esta e
outras besteiras sobre a flexão dos gêneros masculino e feminino
Sírio Possenti
Sabe-se que os humanos
desenvolvem, em pouquíssimo tempo, a capacidade de falar sua língua, isto é, a
língua tal como é falada na sociedade em que nascem ou começam a sua vida.
Qualquer pessoa pode verificar que isso é verdade - basta observar as crianças.
Um obstáculo para a compreensão
dessa óbvia verdade (que exibe uma das principais características dos humanos,
que são seres falantes) é a ideia de que as pessoas, desde sua infância, falam,
é verdade, mas falam errado.
Ora, não falam errado, se sua
língua for avaliada em si mesma, e não em comparação com outra, ou com a
variedade de outra comunidade, ou, quando é o caso, com a língua escrita, que
segue em parte uma longa tradição que as crianças, obviamente, não conhecem.
Observada em si mesma, a fala de
qualquer pessoa ou comunidade segue as regras da gramática de uma variedade
linguística. As crianças aprendem a falar a língua que se fala com elas e em
torno delas. Se essa língua vale pouco numa sociedade, esse é outro problema, que pode ser mais ou menos
grave, dependendo dos projetos políticos que envolvem a língua nessa sociedade.
Mas, além de aprender uma língua,
os cidadãos aprendem também avaliações dela. Incorporam, como se fossem
verdades, determinadas representações da língua. Algumas são bem gerais, como
as que dizem que a língua é bonita ou feia, lógica ou ilógica. Aprendemos nossa
língua.
Mas há também avaliações
relativas a detalhes da organização da
língua. Uma delas, no caso do português, é a ideia equivocada de que finais em
a são femininos. Além disso, estende-se essa avaliação a outras línguas, como
se elas seguissem uma regra, ou uma falsa regra da nossa. O que dá boas piadas,
de fato.
Livros de introdução à
linguística incluem anedotas como a seguinte: vendo o nome Andrea Pirlo numa lista, pode pensar que se trata de uma mulher.
Acontece que é um nome italiano (de um jogador de futebol, no caso). E o
italiano Andrea não equivale a Andréia
(os escrivães eliminarão este acento?), mas a André.
E há casos ainda mais
interessantes, que provocam raciocínios estranhos. Muitos pensam que, se o “a”
final indica feminino (como em menina), então o “o” final indica masculino. E
desandam a dizer besteiras como a seguinte (a besteira circulou na pena dos “melhores”
colunistas de jornal): se Dilma quer ser chamada de presidenta, seu vice será vice-presidento (esquecem que o masculino é presidente) e Millôr seria um humoristo (esquecendo
que o gênero de “humorista” só se marca nos artigos ou nos adjetivos: o/a
humorista, um/uma humorista, humorista gaúcho/gaúcha).
Em termos mais técnicos (as
gramáticas e dicionários mostram isso), “a” final só indica feminino quando se
trata de uma flexão do masculino, que nem sempre termina em “o”, como acabamos
de ver.
Por exemplo, a flexão de gênero
de parente (com este final) é a
parenta. Mas, dado este feminino, é
puro engano achar que o masculino deveria ser parento. Simplesmente NÃO HÁ FLEXÃO
DE MASCULINO EM PORTUGUÊS, isto é, formas masculinas que derivam das
femininas.
Na gramática real do português, o
dito masculino é apenas uma espécie de nome da palavra. Por isso esta forma é a
entrada nos dicionários, assim como o infinitivo é a entrada dos verbos.
Revista Carta na Escola, junho/julho de 2012.
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