sexta-feira, 27 de julho de 2012

O "ete" da empreguete

 Telenovela da Globo testa vitalidade de terminação da palavra

Por Elis de Almeida Cardoso

E
m português há muitos sufixos formadores de diminutivos, que expressam diferentes valores afetivos. Nomes formados com diminutivos relacionam-se com a ideia de carinho, delicadeza, ternura, humildade, mas também podem ser pejorativos  exprimindo depreciação, irritação, ironia.
   Principalmente na linguagem coloquial, advérbios e pronomes com sufixos diminutivos podem ganhar valor enfático (agorinha, nadinha). Unido a bases que têm traços semânticos de delicadeza ou pequenez, o sufixo atua como intensificador (lindinho, pequeninho). Já unido a bases cuja conotação é depreciativa, indica tolerância e compreensão (feinho, bobinho). Pode até perder seus traços semânticos em formações com outros sentidos (camisinha).
             Dos sufixos diminutivos mais comuns, além de –inho/-zinho, há –eta (caderneta, lingueta),  -ito  (livreto),  -ola  (sacola),  -ete (disquete). O  mais  produtivo  é  mesmo  a  dupla  –inho/-zinho, mas o sufixo –ete vem ganhando, na língua falada, na internet e nos programas de TV, uma frequência bem alta, por seu valor expressivo.
             Mesmo usado em palavras dicionarizadas (ver quadro), novas palavras com essa terminação surgem a cada dia. O valor de diminutivo desaparece e outros sentidos passam a ser vistos em palavras com –ete. Desde a era das “chacretes”, não se via uso tão exagerado do sufixo.
           Programas de TV seguiram a mesma linha de Chacrinha. “Boletes” eram as moças do Clube do Bolinha (Bandeirantes, anos 80). Hoje, as “paniquetes” (ou panicats) são as que recebem closes das câmeras no Pânico na Band. E as “calderetes” povoam o Calderão do Huck (Globo). O –ete continua usado em referência às mulheres. Antes eram chamadas de “vedetes” e “coquetes”, palavras vindas do francês. Hoje, ouvem-se as formações “reboletes”,  “fanketes”, ”periguetes”. É a terminação –ete em novas palavras.

Periguete

       Quem são, afinal, as periguetes (ou piriguetes)? Representadas nas novelas da Globo Insensato Coração (2011), por Deborah Secco (Natalie); Fina Estampa (2011/2012), por Carolina Dieckman (Teodora), e Avenida Brasil ( no ar) por Ísis Valverde (Suellen) são mulheres que usam roupas justíssimas e chamativas, sempre em cima de um salto, muito maquiadas, com bijuterias enormes e o único objetivo de chamar a atenção, conquistar.
         São mais do que um perigo... sempre prontas para seduzir. Nas baladas, escolhem com quem querem ficar e ficam. Formada por “perigo” + -ete, a palavra é usada com conotação diferente do adjetivo “perigosa” e circula há anos. Já foi usada pela cantora Ivete Sangalo, que em show deixou de ser Ivete para ser “Periguete”. O funk Piriguete de MC Papo tem como refrão:


Quando ela me vê ela mexe
Piri, Pipiri, Pipiri, Piri, Piriguete
Rebola devagar depois desce
Piri, Pipiri, Pipiri, Piri, Piriguete

            As periguetes que vão a bailes funk são conhecidas como “funketes”. Quando na balada, podem ser chamadas de “reboletes” e acabam sempre arrumando um “peguete”. O substantivo “rebolete” retoma a ideia da dançarina “peguete”, comum de dois gêneros, é a pessoa que se está “pegando”, “ficando”... com quem se mantém relação sexual ou afetiva ocasional,  sem compromissos.
           Nas novelas que retratam o universo carioca circulam agora as “empreguetes”. Cheias de Charme (Globo, no ar) mostra domésticas que querem ser alçadas ao sucesso. Cida (Isabelle Drummond), Penha (Taís Araújo) e Rosário (Leandra Leal) se dizem “empreguetes” e produzem um videoclipe cujo título é Vida de Empreguete. “Empreguete é a empregada jovem que quer ser reconhecida pelo seu sucesso e chegar à condição de patroa.
         O sufixo –ete tem, no caso, valor carinhoso. Amigas tratam-se, sobretudo na adolescência, por “amiguetes”. O –ete pode pode ter valor de feminino, quando as calouras que acabam de ingressar no ensino universitário são chamados de “bixetes” (pois “calouro” é “bixo”). Formando o feminino, o sufixo continua afetivo.

Fanzetes

              Desde que o jogador Neymar atingiu fama e popularidade, uma legião de fãs o segue.  Dentre seus admiradores, há um grupo especial: as “neymarzetes”. Seguidoras do jogador no Twitter, santistas por causa do craque, as neymarzetes (mais sonoro do que “neymaretes”) vão a estádios, levam cartazes, gritam e fazem de tudo para ter uma foto do ou com o ídolo.
              Fazem coro com as “luanetes”, dessa vez as seguidoras do cantor Luan Santana, outro fenômeno, não do futebol, mas do meio musical-sertanejo. Essas torcedoras especiais, essas jovens enlouquecidamente apaixonadas são as responsáveis por essa outra conotação do sufixo. O –ete passa a designar também a fã de alguém.
         A terminação, com /e/ aberto, é sonora e seu valor semântico nas formações novas e não dicionarizadas revela expressividade porque vai do pejorativo ao afetivo.
               Formar palavra com  –ete é, pois, uma tendência, modismo que faz com que o sufixo ganhe seu minuto de fama.


 Sinal de modernidade


A diversidade de usos tradicionais e já dicionarizados do sufixo –ete

          O sufixo –ete, pelo Houaiss, manifesta-se em “diminutivos, diminutivos afetivos e diminutivos designativos de outra coisa”, encontrado em palavras como: artiguete, bracelete, cavalete, farolete, mulatete, olhe-te, palacete. Algumas trazem variação no timbre do /e/ tônico, pronunciado ê ou é.
               Nem sempre tem valor diminutivo ou é considerado sufixo: “gilete” vem de nome próprio (Gillette) usado metonimicamente (marca pelo produto) como “lâmina de barbear” e, depois, metaforicamente (motorista barbeiro; indivíduo bissexual).
          No Brasil, o –ete, agora com /e/ aberto, surge quando se deseja um toque de modernidade, associado ao picaresco (“jambete”, mulata cor de jambo) ou para dar atrativo a produtos. Quem se lembra da boneca “Fofolete”? O /l/ é consoante de ligação (fofo + -ete).

Fonte:  Revista Língua/julho de 2012

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