Hora
de se organizar
Um
dos grandes desafios dos professores é como fazer um planejamento capaz de
levar a turma a um ano de muita aprendizagem. No livro Ler e Escrever na Escola, o Real, o Possível e o Necessário (128
págs., Ed. Penso, tel. 0800-703-3444, 46 reais), Delia Lerner diz que “o tempo
é um fator de peso na instituição escolar: sempre é escasso em relação à
quantidade de conteúdos fixados no programa, nunca é suficiente para comunicar
às crianças tudo o que desejaríamos ensinar-lhes em cada ano escolar”. E a
constatação não poderia ser mais realista.
Escolher
quais conteúdos abordar e de que maneira são questões fundamentais para o
sucesso do trabalho que será realizado ao longo do ano. A tarefa é complexa,
mas há algumas orientações essenciais que ajudam nesse processo. “Um bom
planejamento é aquele que dialoga com o projeto político-pedagógico (PPP) da
escola e está atrelado a uma proposta curricular em que há desafios, de forma
que exista uma progressão dos alunos de um estado de menor para um de maior
conhecimento”, orienta Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos do Instituto
Avisa Lá. “Tendo claras as diretrizes anuais, o docente pode desdobrá-las em
propostas trimestrais (ou bimestrais) e semanais, organizadas para dar conta do
que foi previsto”, complementa Ana Lúcia Guedes Pinto, professora da
Universidade estadual de Campinas (Unicamp).
Faz-se
necessário criar situações didáticas variadas, em que seja possível retomar os
conteúdos abordados em diversas oportunidades. Isso pressupõe um planejamento
que contenha diferentes modalidades organizativas: projetos didáticos,
atividades permanentes e sequências didáticas.
Confira,
a seguir, as respostas a dez perguntas imprescindíveis para planejar e
implementar boas sequências didáticas.
1.
Como definir o
tema da sequência didática?
As sequências
sempre são parte de um planejamento didático maior, em que você coloca o que
espera dos estudantes ao longo do ano. A escolha dos temas de cada proposta não
pode ser aleatória. Se, por exemplo, seu objetivo for desenvolver bons
leitores, precisa pensar qual desafio em relação à leitura quer apresentar à
classe. Com base nele, procure os melhores gêneros textuais para trabalhar. “É
preciso organizar as ações de modo que exista uma continuidade de desafios e
uma diversidade de atividades”, explica Beatriz. Converse com o coordenador pedagógico
e com os outros docentes, apresente suas ideias e ouça o que têm a dizer. Essa
troca ajudará a preparar um planejamento eficiente.
2.
O que levar em conta
na sondagem inicial
A sondagem é
fundamental a todo o trabalho por ser o momento em que são levantados os
conhecimentos da turma. Muitas vezes, os professores acham que perguntar “o que
vocês sabem sobre...” é suficiente para ter respostas, mas não é bem assim.
Essa etapa inicial já configura uma situação de aprendizagem e precisa ser bem
planejada. Em vez da simples pergunta, o melhor é colocar o aluno em contato
com a prática. No caso de uma sequência sobre dinossauros, por exemplo,
distribua livros, revistas e imagens sobre o tema aos alunos, proponha uma
atividade e passe pelos grupos para observar como se saem. Não se preocupe se
precisar de mais de uma aula para realizar a primeira sondagem.
3.
Como estabelecer
conteúdos e objetivos?
Conteúdo é o que
você vai ensinar e objetivo o que se espera que as crianças aprendam. Se, por
exemplo, sua proposta for trabalhar com a leitura de contos de aventura,
precisa parar e pensar o que especificamente quer que a turma saiba após
terminar a sequência. “Pode ser comportamento leitor do gênero, característica
da linguagem”, exemplifica Beatriz. De nada adianta definir um conteúdo e
enxertar uma série de objetivos desconexos ou criar uma sequência com muitos
conteúdos. Como escreve Myriam Nemirovsky no livro O Ensino da Linguagem Escrita (159 págs., Ed. Artmed,
08000-703-3444, edição esgotada), “abranger uma ampla escala de conteúdos e
crer que cada um deles gera aprendizagem significa partir da suposição de que é
possível conseguir aprendizagem realizando atividades breves e esporáticas.
Porém, isso está longe de ser assim”.
4.
De que modo
atrelar atividades e objetivos?
Definindo o que
você quer que a turma aprenda, é hora de pensar nas estratégias que vai usar
para chegar aos resultados. Vale detalhar esse “como fazer” nas atividades da
sequência, que nada mais são que orientações didáticas. O melhor, nesse
momento, é analisar cada um dos conteúdos que se propôs a trabalhar, relembrar
seus objetivos e ir desdobrando-os em ações concretas. “Para que a classe conheça
as características de determinado gênero, por exemplo, posso pensar em itens
como: leituras temáticas, análises de textos de referência, análise de alguns
trechos específicos e verificação do que ficou claro para a turma”, sugere
Beatriz. Cada atividade tem de ser planejada com intencionalidade, tendo os
objetivos e conteúdos muito claros e sabendo exatamente aonde quer chegar.
5.
Que critérios
usar para encadear as etapas?
Quando você
pensa nas ações de uma sequência didática, já tem na cabeça uma primeira ideia
de ordem lógica para colocá-las. Para que essa organização dê resultado,
lembre-se de pensar em quais conhecimentos a classe precisa para passar de uma
atividade para a seguinte (considerando sempre que os alunos têm necessidades
de aprendizagem diversas). Como escreve Myriam, “a sequência didática será
constituída por um amplo conjunto de situações com continuidade e relações
recíprocas”. Quanto mais você sabe sobre a prática, as condições didáticas
necessárias à aprendizagem e como se ensina cada conteúdo, mais fácil é para
fazer esse planejamento. Se ainda não tiver muita experiência, não se preocupe.
Pode fazer uma primeira proposta e ir vendo quais ações têm de ser antecipadas
ou postergadas.
6.
Como estimar o
tempo que dura a sequência?
A resposta a
essa pergunta não está relacionada à quantidade de tarefas que você vai propor,
mas à complexidade dos conteúdos e objetivos que tem em mente. Para saber a
duração de uma sequência, leve em conta o que determinou que os alunos aprendam
e quanto isso vai demorar. Cada ação pode exigir mais ou menos tempo de sala de
aula. “Repertoriar uma criança em um gênero, por exemplo, demanda mais horas do
que uma sequência de fluência leitora”, diz Beatriz. É importante, também,
pensar em como essa sequência se encaixa na grade horária da escola e como se
relaciona com as demais ações que estão sendo realizadas com as crianças. Se,
por exemplo, você tem duas aulas por semana, as propostas vão demorar mais do
que se tivesse três. “Organize o tempo de modo que seja factível realizar todas
as atividades previstas”, orienta Ana Lúcia.
7.
Qual a melhor
forma de organizar a turma?
“No curso de
cada sequência se incluem atividades coletivas, grupais e individuais”, escreve
Delia. Cada uma funciona melhor para uma intenção específica. “Você propõe uma
atividade no coletivo quando quer estabelecer modelos de comportamentos e
procedimentos”, explica Beatriz. Ao participar de um grupo e trocar com os
colegas, a criança tem aprendizados que são úteis quando ela for trabalhar
sozinha. Já uma atividade em dupla é interessante quando quiser que o aluno
tenha uma interação mais focada, apresentando suas hipóteses e confrontando-as
com o outro. As propostas individuais, por sua vez, permitem à criança pôr em
xeque os conhecimentos que construiu. Essas organizações são critérios
didáticos que precisam ser pensados com base nos objetivos de cada etapa e nas
características da classe.
8.
Como
flexibilizar as atividades?
É bem possível
que você tenha, na turma, crianças com necessidades educacionais especiais
(NEE). E elas não podem ficar de fora do planejamento. Procure antecipar quais
ajustes podem ser necessários para que elas participem das propostas. As
adaptações não devem ser vistas como um plano paralelo, em que o aluno é
segregado ou excluído. A lógica tem que ser o contrário: diferenciar os meios
para igualar os direitos, principalmente o direito à participação e ao
convívio. O ideal é que a escola conte com um profissional de Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que ajude você nessa tarefa, orientando-o
sobre como atuar em classe e complementando a prática na sala de recursos. A
inclusão não é obrigação apenas dos professores, mas de toda a escola. Para
mais orientações sobre o tema, acesse bitly/guia-flex.
9.
Posso mudar os
planos no meio do caminho?
Pode, sim. As
sequências são planejadas com base em uma hipótese de trabalho. Quando chega a
turma de verdade, é natural que alguns ajustes sejam necessários. Quem sabe
precise retomar certos conteúdos que não ficaram claros no ano anterior ou
mudar a estratégia de uma etapa que não combina com o perfil da classe. Tome
cuidado, no entanto, para não perder de vista os objetivos iniciais. Como
explica Ana Lúcia, “o planejamento dá condições para o professor chegar em sala
de aula e, se for o caso, abrir mão de uma atividade, postergar, antecipar”. Só
assim consegue-se alcançar resultados concretos. “Toda proposta didática
implica riscos; um deles é que adote com rigidez, com certa ortodoxia. A
flexibilidade é uma característica fundamental, que deve existir sempre no
trabalho didático”, defende Myriam em seu livro.
10. Como avaliar o que a turma aprendeu?
A avaliação pode
ser feita de diferentes formas. A pergunta principal que você tem de responder,
ao final de uma sequência, é se os alunos avançaram de um estado de menor para
um estado de maior conhecimento sobre o que foi ensinado. Para isso, vale
registrar os progressos de cada estudante, observando como ele se sai nas
atividades, desde a sondagem inicial – que já é uma situação de aprendizagem –
até a etapa final. Ao analisar esses registros, fica fácil entender quais foram
os avanços dos alunos. Aliado a isso, pense em atividades avaliativas
propriamente ditas, como provas e trabalhos. Essas propostas precisam estar
diretamente ligadas ao que você ensinou na sala de aula. Retome os objetivos
propostos e prepare uma consigna na qual fiquem claros os saberes que estão
sendo pedidos aos estudantes.
Revista Nova Escola/ fevereiro 2014
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